Patenteando a vida?
Texto contribuído por Luca Maciel.
Está em discussão na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC), para posterior votação no Plenário da Câmara dos Deputados, o PLN Nº 4.961/05 do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP). Este Projeto de Lei estabelece que as substâncias ou materiais extraídos de seres vivos naturais e materiais biológicos serão considerados invenção ou modelo de utilidade, podendo ser patenteados.”
A Lei anterior, por enquanto ainda vigente, diz:
Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
[…]
IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.
Não sendo “do ramo” (sou socióloga), mas instintivamente colocando-me contrária à proposta da lei, fui conversar com quem entende do assunto – o da biologia e das patentes.
Além das questões éticas e morais implicadas, e das nossas discussões sobre a privatização do conhecimento, há concordância entre os especialistas consultados que “seres vivos naturais e materiais biológicos” não são – nem podem ser considerados como – “invenção ou modelo de utilidade”.
Parece lógico, conforme comentário de pesquisador do Butantã: na lei anterior, para poder patentear, era preciso fazer modificações naquilo que foi descoberto para que constituísse uma invenção. Na nova, aparentemente, se você descobre algo novo em um organismo, como uma molécula X com atividade Y, já pode patentear “in natura“. Nesse sentido, é preciso lembrar que uma invenção é algo que você cria, que antes não existia como tal. Já uma descoberta é algo que você encontra como tal, independentemente do uso que você dá à descoberta.
Outro especialista acadêmico, de instituição de pesquisa em saúde, diz que o projeto do Mendes Thame reflete a preocupação de parte da indústria (multinacional, sobretudo) que reclama proteção mais robusta para os seus investimentos em pesquisa. Alguns grupos de pesquisa brasileiros podem se beneficiar desta medida.
Faz também as seguintes considerações: produtos sob monopólios são geralmente muito mais caros e empresas detentoras da patente recolhem royalties (em geral, enviados ao exterior). A ponderação certamente passa pelo benefício que será dado aos nacionais, pelo potencial de atração do investimento direto estrangeiro e pela conta a ser paga para acesso a produtos importados que usufruem de proteção em território brasileiro. Chama atenção para o fato de que, em relação às questões éticas, temos uma variedade de opiniões. Desde grupos que não consideram este tipo de proteção como ofensa moral de modo algum até aqueles que defendem o banimento total.
Interessante lembrar o caso das patentes Myriad, que chamou muita atenção ao confirmar o banimento da proteção de invenção correlata nos EUA. A Suprema Corte dos EUA decidiu por unanimidade, em 13/06/2013, que genes humanos não podem ser patenteados por empresas.
“Genes são produtos da natureza e, portanto, não podem ser patenteados só porque uma empresa conseguiu isolá-los”, disse a Corte. Mais detalhes sobre o caso em nesta notícia do Conjur e nesta página de Bioética da UFRGS.
No Brasil, a Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos) tem feito alertas sobre o tema.
Na mesma direção, o GTPI (Grupo de Trabalho em Propriedade intelectual) divulgou carta aberta à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJC em 19/03/2015, pedindo que seja reconhecido “o caráter eminentemente público da lei de patentes e seus impactos na saúde pública e no acesso a medicamentos, e não apenas interesses privados e industriais”. Mais detalhes.
Para quem estiver interessado, há uma petição criada pelo GTPI neste link da Avaaz.
Maria Lucia Maciel, 22/03/2015