Até janeiro de 2012, o Google tinha um conjunto de aplicativos online disponíveis para uso gratuito, sendo necessário ter uma conta em cada um (normalmente criada voluntariamente por nós para cada produto usando nossa conta do gmail). Assim, se eu não quisesse participar do Google Mais, não participava, e assim por diante. Já naquela época eu, usuária do gmail desde poucos meses depois que ele foi criado, me incomodava com as propagandas que, na página do gmail, mostravam claramente que o gmail “lia” minhas correspondências, pois dependendo do assunto que me movimentava na semana, as propagandas mudavam. Essa “leitura”, que continua existindo, de forma cada vez mais invasiva, mais eficiente (dependendo do ponto de vista) e mais sofisticada, corresponde a uma mineração semântica inteligente de todos os dados que forem disponibilizados na rede pelo usuário, inclusive imagens, sons etc.
Lembro que o Fred Guimarães, criador do SLEducacional, já no primeiro Dia da Cultura Livre, promovido pelo Texto Livre em 2010, nos alertava para os rumos que a política do Google tomava em relação à privacidade e a maioria de nós ouvia mais com curiosidade do que com preocupação as palavras daquele que parecia ser radical demais. Mas não era.
Depois desse dia fui ler de novo, com mais atenção, os termos de uso do gmail, e concluí que mesmo os documentos anexos, ao passarem pelo gmail, passavam a ser propriedade da empresa. Imagine só: todos os documentos trocados pelos professores, alunos e funcionários da UFMG, mesmo que a pessoa não usasse gmail, mas um destinatário sim, “legalmente” seriam propriedade da empresa. Melhor dizendo: ilegalmente, já que os documentos da UFMG são da UFMG por direito. Mas, como todos nós concordamos com os termos de uso quando usamos um software qualquer, concordávamos com essa ilegalidade e, caso houvesse um problema conosco por um documento que era da universidade e passou a ser do gmail (eu imagino mil situações em que isso poderia virar problema de tribunal), o Google, com certeza, estaria protegido, mas nós ficaríamos entre a frigideira e o fogo, ou seja quem fica vulnerável é o usuário.
Em fevereiro de 2012, o Google avisou a todos os usuários que integraria todas as contas numa só e que, se não concordássemos em ser usuário de qualquer um de seus produtos, tínhamos 30 dias para encerrar a conta, ou o uso dela caracterizaria aceite das novas normas. Eu? Não queria usar o Google Drive, muito menos o Google Mais, e qual quer outro produto além do e-mail e da agenda. Passei o mês maluca, entre preparar disciplinas do semestre, organizar o Texto Livre e tentar achar uma solução para sair do gmail. Porquê? Porque eu trabalho com e-mail (e com a agenda integrada do google), 70% daquilo que preciso acontece lá e simplesmente fechar a conta em que eu centralizava tudo seria um desastre, podia contar que o ano estaria todo comprometido, sem exageros. Perdi todas as horas que pude em busca de uma solução e não achei. Resolvia o e-mail, que era o mais fácil, mas perdia toda a agenda. As melhores soluções livres que encontrei seriam para ter a agenda e o e-mail no computador, mas isso acarretaria um trabalho extra enorme para atualizar tudo, sem contar com a questão de espaço físico no disco, haja espaço!
Muito a contragosto, continuei no Gmail e continuo até hoje. Cada vez que digito uma mensagem, estou fornecendo dados sobre mim mesma para essa empresa. Consciente da opressão que sofro, sou ainda incapaz de resolver o problema. Ainda estou procurando tempo para encontrar uma solução.
Um produto do Google eu passei a usar por conveniência, o Youtube. Mas deixei de usar o Google para buscas online. Porque? Simplesmente porque o Google me conhece tanto que qualquer busca que eu faça na internet vai, em última análise, trazer mais de mim mesma, ou seja, ele decide o que quero a partir dos temas que costumo frequentar eme impede de conhecer coisas novas, realmente novas. Hoje eu uso o DuckDuckGo.com, “the search engine that doesn’t track you”:
Bem, esta semana recebi uma mensagem do Goole, com conteúdo semelhante a outra recebida hoje, do ORCID: estão mudando as regras porque uma lei européia (General Data Protection Regulation) exige agora maior clareza dos termos de uso (já não era sem tempo!). Talvez, com isso, mais pessoas leiam as licenças antes de fechar os contratos.
A pergunta que não quer calar: toda vez que instalamos um aplicativo no celular, concordamos que ele acesse pelo menos parte importante de nossos dados. Cadê os termos de uso discriminados e completos? Onde estamos nos metendo? O que será feito disso? Como isso poderá nos afetar?
A meu ver, estamos assinando papéis em branco e dando de presente a essas empresas que, como o Google, nem na minha mais alucinada ilusão ingênua eu poderia pensar que vão fazer algo que possa me defender contra elas. Até onde sei, somos indivíduos com direito à privacidade estabelecida por lei. Se os dados da ciência devem ser abertos, os dados pessoais não, exceto com nossa aprovação explícita e ratificada a cada situação em que isso puder acontecer. Muito menos, devem deixar de ser nossos simplesmente porque usamos um software ou aplicativo: deveria ser um direito inalienável. Então, se nosso direito está sendo roubado, no mínimo precisamos ter consciência disso e, sem dúvidas, este deveria ser um tópico indispensável de qualquer trabalho de letramento ou inclusão digital.