Em fevereiro deste ano, o Portal de notícias da UFMG publicou uma entrevista com o Professor Carlos Henrique Silva de Castro sobre sua participação no UEADSL2016.2 com uma turma de alunos da Educação do Campo, da UFVJM. Com a anuência do professor, aproveito o ensejo do UEADSL2017.1 para publicar, dessa vez na íntegra, a entrevista concedida por Carlos Castro. Não sem antes acrescentar uma contextualização, de autoria da professora Thalita Santos Felício de Almeida. Ambos são membros ativos do Grupo Texto Livre.
Contextualização
O UEADSL – Congresso Nacional Universidade, Educação a Distância e Software Livre – Edição 2017/1 começou no dia 19 e vai até sexta, 23 de junho. O evento, que acontece inteiramente online em um blog, consiste em artigos publicados por alunos da graduação e da pós-graduação da UFMG. Os autores estão interagindo, durante essa semana, com colegas de turma, alunos e professores da UFMG, de outras instituições e a comunidade em geral. Quem desejar participar como ouvinte, aqueles que leem os trabalhos e comentam no blog, basta realizar o cadastro, que é gratuito, até o último dia do evento. A participação, mínimo três comentários em posts diferentes, garante um certificado.
O congresso, sincronizado com a perspectiva da ciência aberta e da cultura livre, é promovido pelo Grupo Texto Livre, sediado na FALE/UFMG, e conta com o apoio do CAED/UFMG. É fruto de um trabalho de escrita e reescrita orientada que ocorre no decorrer do semestre. Professores que, ao participar, integram a comissão científica do evento trazem seus alunos e orientam o processo de escrita do artigo, o qual é dividido em fases. O primeiro passo é a elaboração do resumo e o último é o artigo pronto para o UEADSL, com publicação da versão finalíssima nos Anais do evento. O evento e suas etapas constituem, portanto, uma ferramenta didática que pode ser utilizada por professores interessados em adotar essa metodologia como uma forma de avaliar seus alunos e, mais importante do que isso, contribuir para o processo de letramento acadêmico da turma.
No semestre passado, Carlos Castro, professor da UFVJM e participante do UEADSL como professor desde 2011, desenvolveu com seus alunos do curso de Licenciatura em Educação do Campo as etapas de produção do artigo. O evento e esse contato inicial com a pesquisa constituíram uma oportunidade para a turma de realizar um trabalho de pesquisa e, no fim, interagir em um evento acadêmico. Embora sejam atividades comuns na academia, nem todos os alunos têm a chance de ingressar nesse caminho da pesquisa ou de participar de eventos presenciais, mais comuns na universidade. O UEADSL, portanto, é uma pequena amostra de como a pesquisa pode ser incentivada na própria sala de aula e de como a produção textual, o artigo final da disciplina, pode ser feito em um contexto real, ou seja, com autores conscientes de que o objetivo do trabalho é aprender um pouco mais sobre pesquisa, escrita e participar de um diálogo que garante a difusão do conhecimento produzido para além da sala de aula.
Leia, abaixo, a íntegra da entrevista realizada com o professor Carlos Castro sobre o .trabalho desenvolvido com a turma de alunos da UFVJM e a participação na edição 2016/2 do evento.
Entrevista
Jornalista: Desirée Antônio
- Desde quando você participa do UEADSL? Essa é a primeira vez que você traz uma turma para o evento?
Participo desde 2011 que foi o ano que entrei para o grupo Texto Livre. Naquela época, eu coordenava mesas de estudantes que faziam uma disciplina de leitura e produção de texto na FALE/UFMG. O evento nasceu a partir dessa disciplina com a intenção de possibilitar um diálogo entre academia, já que os autores são acadêmicos, com a comunidade em geral. Trata-se de uma ideia presente em autores da educação e da linguística preocupados em produção textual em contextos reais, com leitores reais, e feedbacks também reais. O UEADSL atende a essa demanda ao colocar o estudante, produtor de textos diversos, em uma cadeia dialógica da vida real e a idealizadora do evento, a professora Ana Cristina Fricke Matte, soube colocar tais teorias em prática.
- Você leciona qual (quais) disciplina (s) para essa turma e por qual curso?
Minha turma que participa do UEADSL 2016.2 faz Licenciatura em Educação do Campo na UFVJM, habilitação Linguagens e Códigos. Dou algumas disciplinas no curso, mas os artigos em debate no evento são fruto de uma pesquisa de cunho etnográfico promovida pela disciplina Gêneros Textuais e Discursivos.
- Como surgiu a ideia de levar toda a sua turma para o evento?
Com linguista aplicado que sou, acredito no propósito funcional da escrita para resultados mais efetivos em termos de letramentos. Então, colocar os estudantes em diálogos reais é um desafio que sempre me proponho. Como eu já conhecia o UEADSL e seu potencial para a interação, essa decisão não foi difícil.
- Quantos alunos tem a turma e qual o perfil deles?
A turma tem 23 estudantes oriundos, sobretudo, de pequenas comunidades rurais dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri onde, às vezes, a Internet não chega. A oportunidade de participar, mesmo diante das dificuldades, foi dada a todos e o resultado foi a produção em co-autoria de 10 artigos dos quais selecionei os 7 apresentados no evento. Alguns dos estudantes já participam da realidade das escolas de suas comunidades como funcionários ou voluntários em projetos diversos como o PIBID, projetos de comunicação comunitária e produção de conteúdos para as comunidades, além dos estágios, uma vez que já estão no sétimo semestre de curso.
- Como a atividade foi proposta?
Como já comentado, o artigo é o passo final de um pequeno projeto que buscou fazer um levantamento das práticas de leitura e escrita das comunidades com foco nas práticas dos próprios estudantes-autores para, enfim, relatá-las. Para tanto, primeiramente, os estudantes fizeram autobiografias de letramentos que foram devidamente orientadas e revisadas, primeiro pelos colegas e depois por mim, e transformadas em um livro artesanal. A partir dessa coletânea de relatos, os estudantes foram encorajados, em uma perspectiva etnográfica, a encontrarem pontos relevantes, como pequenos pontos obscuros ou problemáticos, em seus processos de aprendizagem ou de outros sujeitos de suas comunidades e investigarem tais pontos. O resultado desse trabalho são os artigos apresentados no evento.
- Como eles puderam se organizar? Eles puderam optar por escrever artigos individualmente ou em grupo?
A organização foi proposta em sala e puderam escolher se analisariam suas próprias experiências ou de outros sujeitos do campo, sempre a partir de experiências vivenciadas e acessíveis para pesquisa. De acordo com as decisões sobre o que analisariam, alguns com objetos comuns ou parecidos prefiram se unir em até três autores, que era uma limitação do próprio evento, mas que eu acredito que ainda se produtivo trabalho em co-autoria. A partir daí, produziram algumas versões dos textos sempre tendo em vista o propósito funcional da atividade e o processo editorial que todo texto escrito a ser publicado em um evento como este está sujeito. A versão final não é uma versão perfeita em termos normativos e até mesmo metodológicos, mas podem ter certeza que evoluíram muito no processo.
- Qual foi a reação dos alunos com ideia da atividade?
Uma atividade com propósito funcional com esta sempre provoca duas reações facilmente perceptíveis e com essa turma não foi diferente. Uns se empolgam e querem fazer rapidamente e outros ficam com medo das críticas. Também houve uns poucos desmotivados, mas são aqueles que apostam no esforço mínimo para seguir no curso e dessa vez só tive dois estudantes que nem tentaram.
- Como foi a dinâmica do seu acompanhamento ao trabalho deles? Houve orientações específicas além daqueles dadas pelos corretores do UEADSL?
Os corretores do UEADSL somos nós, os professores. Não existe essa desconexão, sugerida pela pergunta, entre o professor e o evento. O evento só pode funcionar se o professor topar o trabalho de avaliação continuada e orientação. O mérito do evento não é substituir o professor nesse trabalho, mas oferecer um espaço de interação real, com autores e leitores que realmente trocam e (re)constroem significados por meio do debate público. Pela audiência e produção textual – não só de artigos, mas também de comentários, não podemos negar o sucesso do evento naquilo que ele se propõe.
- Qual a sua avaliação do desempenho deles?
Até o momento, com o evento ainda em andamento, posso adiantar que os estudantes estão bastante engajados e relatam aprendizagens diversas como a apresentação nesse tipo de evento, o debate acadêmico no espaço público, a evolução no desenvolvimento de pesquisas – e isso inclui questões metodológicas e formais-, dentre outros. Talvez o engajamento de todos não seja facilmente percebido por meio das postagens tendo em vista que no primeiro dia das apresentações dos meus estudantes nem todas as perguntas feitas estejam respondias. Contudo, devo salientar que, na grande maioria, tratam-se de cidadãos do campo que têm que se mover até a cidade mais próxima para acessarem a internet e participarem do evento.
- Que tipo de contribuição esse tipo de evento pode dar à formação deles?
O evento contribui para letramentos diversos. Quando falo em letramentos, me refiro à capacidade de lidar com práticas de leitura e escrita socialmente relevantes. Dentre essas práticas, a participação em um evento acadêmico, oportunidade dada a poucos graduandos, já contribui com a formação dos estudantes. O debate de ideias com produção argumentava a partir de uma tese/tema também é uma outra habilidade importante para o profissional de nível superior que estamos formando. Não menos importante, a escrita acadêmica e o uso de ferramentas digitais para esta produção também são de extrema importância no mundo mediado por tais ferramentas. Numa análise parcial e antecipada dos resultados, me parece justo elencar tais práticas, mas não limito a elas tendo em vista que não fiz nenhuma avaliação aprofundada dos resultados ainda, já que o evento ainda está em andamento.
13 de fevereiro de 2017