[ciência aberta]Declaração do México - LATINDEX, REDALYC, CLACSO e IBICT

Alexandre Hannud Abdo abdo em member.fsf.org
Terça Julho 24 11:07:28 UTC 2018


2018-07-22 0:22 GMT+02:00 Andre L Appel <alappel em gmail.com>:

> Vendo a resposta do Ale, me pergunto por que a própria comunidade criou a
> modalidade NC se esta é assim tão prejudicial à própria comunidade!?
>
> (Sim, é pergunta retórica. Vou pesquisar :)
>


Ni! Legal Andre, imaginando que você já teve tempo para suas pesquisas...
;-) faço um acréscimo.

Não foi a comunidade de acesso aberto quem criou as cláusulas das licenças
creative commons, foi uma organização, a Creative Commons, liderada por
advogados e cujo objetivo é fornecer instrumentos jurídicos genéricos para
a flexibilização dos direitos de autor. Como eles dizem, "some rights
reserved".

Vale observar que a própria Creative Commons, enquanto oferece um espectro
de licenças, etiqueta as suas licenças para diferenciar as livres das não
livres. As licenças com as cláusulas NC ou ND não recebem a etiqueta de
licença livre.

Mas não se deve ignorar que as licenças contendo a cláusula NC e, ou, mesmo
a ND (sem derivados), são em todo caso melhores que "todos os direitos
reservados", e ainda podem ser úteis numa transição para licenças livres
onde esse for o objetivo.

Contudo, a cláusula NC impacta negativamente o acesso aberto porque essa
comunidade já conseguiu, em grande medida e em particular lutando contra os
esforços pró-NC das grandes editoras, estabelecer licenças livres como
padrão, e nesse estado a cláusula NC representa um grande retrocesso, pelas
razões previamente expostas.

Lembrando que as grandes editoras não defendem a cláusula NC por vocação.
Elas querem "todos os direitos reservados". Elas defendem a NC apenas aonde
a maré já virou para o acesso aberto, levando-as a analisar esse novo
contexto e tanto quanto possível puxar a corda para o seu lado - o lado da
exclusão e da mercantilização.



> Aproveitando o gancho sobre a adesão ao banco da CrossRef, é preciso
> atentar também para o valor (crescente) que as revistas estão tendo que
> pagar para registrar número DOI aos artigos via o convênio Abec/IBICT.
>
> Antes do convênio, isso custava US$ 275 anuais de associação à CrossRef + US$
> 1 por artigo.
>
> Agora custa ~ R$ 500 anuais de associação à Abec (não me perguntem o
> porquê da "venda casada) + US$ 1 por artigo
>
> OU
>
> US$ 5 (!?) por artigo sem associação.
>
> Há vantagens em pagar via Abec? Sim, como pagar em Reais e sem transação
> internacionalização, por boleto, p. ex. Mas há muito mais detalhes desse
> convênio a serem esmiuçados. Esses aumentos de custos nem sempre
> "fundamentais" (e dependentes do dólar flutuante) às nossas revistas podem
> levar a uma corrida pela cobrança de APC. E falo nem sempre fundamentais pq
> afirmo, com certa convicção, que a maioria da comunidade acadêmica
> brasileira só vê importância no DOI para inserir artigos no Lattes. Seria
> bem oportuna mesmo uma "apropriação" do DOI pela comunidade de revistas e
> acadêmicos, com foco nas citações abertas, altimetria etc.
>


Se eu entendi bem pagar pela Abec no final sai mais barato para a revista,
pois a taxa de inscrição em reais é metade da taxa em dólares e não flutua.
O preço alto sem passar pela associação pode ser proposital para desmotivar
a transação direta e estabelecer a Abec como uma gestora local, o que pode
se explicar por razões legítimas organizacionais e de custo.

Mas se ver algo estranho, apite ;-)

.~´



> Abs,
>
> Andre
>
> On Wed, Jul 18, 2018, 8:54 PM Alexandre Hannud Abdo <abdo em member.fsf.org>
> wrote:
>
>> Ni!
>>
>> Bom, vamos lá... eu não ando com tempo mas é preciso lembrar algumas
>> coisas.
>>
>> 0) A indústria editorial é a maior proponente das licenças NC, e foi a
>> duras penas que isso não se estabeleceu, mas o risco sempre paira.
>>
>> 0.1) Preciso explicar o porquê deles terem lutado tanto por isso?
>>
>> 0.2) Ok, explico: a licença NC preserva parte do monopólio e portanto é
>> mais condutiva à mercantilização do conhecimento.
>>
>> A Elsevier está bem a par disso, e deve estar contentíssima com essa
>> declaração conjunta. Deve estar mais contente ainda que nem teve de pagar
>> gente para defendê-la.
>>
>> A situação é a mesma de outros meios, como música ou cinema: os grandes
>> conglomerados sempre favorizam as licenças não comerciais, pois eles
>> entendem muito bem a lógica do capital, que não é o comércio, mas a
>> exclusão. Aonde há exclusão, há potencial de mercantilização e exploração.
>>
>> Algumas observações que esclarecem isso:
>>
>> 1) Quando falamos de escolha de licença, estamos falando da "licença para
>> o público geral". Grandes editoras não são o público geral. Elas tem
>> dinheiro para comprar qualquer permissão que necessitem, ou os advogados,
>> juízes e políticos necessários para formar e burlar as regras que lhes
>> convém. E, em último caso, elas pagarão as multas ou indenizações que
>> conseguirem passar pelo calvário da justiça, e cujo pagamento já estava
>> previsto na precificação dos seus produtos.
>>
>> 2) Essa defesa do NC se apóia em parte no fato de numerosas revistas na
>> América Latina serem hoje organisadas por instituições públicas e
>> associações científicas. Assim também eram organizadas grande parte das
>> revistas científicas mundiais antes das grandes editoras as comprarem. E
>> elas apenas não compraram as revistas latino americanas por uma razão muito
>> simples: elas não vêem valor econômico algum, pois essas tem baixo impacto
>> internacional e os países aos quais interessam as tais editoras já sugam a
>> pouca seiva que têm.
>>
>> 2.1) Uma licença NC aumenta o motivo econômico para adquirir uma revista
>> pois permite formas de exclusão e portanto seu valor enquanto mercadoria.
>> Uma vez adquirida, fica mais fácil excluir a concorrência da provisão de
>> serviços agregados, pela própria liceça NC e por meios técnicos
>> independentes das licenças, como limites de acesso em massa.
>>
>> 2.2) Ver a realidade político-econômica da américa latina hoje e achar
>> que a comunidade acadêmica da região tem cacife para aguentar a pressão no
>> dia em que as grandes editoras tiverem motivo econômico para comprar suas
>> revistas só pode ser classificado como tremendo delírio. Especialmente
>> diante da realidade que as revistas latino americanas que atingiram alguma
>> relevância global já foram incorporadas, em ato contínuo. Num prazo médio
>> em quer perdure a tual conjuntura, não me espantaria até o SciELO ser
>> vendido, caso desperte o interesse.
>>
>> 3) Talvez o ponto mais crítico, pra não dizer triste: o principal
>> (único?) argumento da declaração para justificar a cláusula NC são os
>> "motores de busca", "descobridores" e serviços agregados em geral. Isso
>> mostra um grave desconhecimento da realidade legal e econômica. Uma licença
>> NC não vai impedir nenhum ator, comercial ou não, de prover uma grande
>> parte desses serviços, em particular os dois citados explicitamente.
>>
>> 3.1) Já parou para pensar que o Google indexa e fornece inúmeros serviços
>> analíticos sobre a Web? Já parou para pensar que 99% da Web tem *todos* os
>> direitos reservados? Fica a sugestão do quão efetiva será na prática uma
>> licença NC para o que a declaração pretende.
>>
>> 3.2) Ademais, qualquer luta contra esses usos, particularmente a adoção
>> de restrições NC, corre o risco de auto-sabotagem, pois a possibilidade de
>> mineiração de texto e dados sem autorização prévia interessa principalmente
>> à comunidade científica, que está longe de conseguir excessões universais
>> "para uso acadêmico" e que, mesmo se conseguisse, seguiria longe de ter a
>> competência e os recursos para fazê-lo na escala da própria demanda, sem
>> parcerias com atores de mercado com compromisso pró-abertura.
>>
>> Isso nos remete a essa questão: em termos de força para equiparar as
>> ofertas de serviços das grandes editoras, as licenças NC deixam a academia
>> e sociedade civil impedidas de colaborar com iniciativas de
>> empreendedorismo pró-abertura, e dificultam a concorrência de pequenos e
>> médios empreendimentos com compromisso acadêmico (i.e. ContentMine
>> <http://contentmine.org/>, que inovou com uma cláusula pétrea
>> pró-abertura no seu contarto social), que não terão o capital jurídico para
>> prevalecer contra o risco de ataques, inclusive ataques das grandes
>> editoras que serão as primeiras a se aproveitar do NC para afogar a
>> competição.
>>
>> Enfim, eu não consigo ver sequer uma brecha pela qual uma licença NC fará
>> qualquer bem nesse contexto que não seja na escala de tempo a mais míope.
>> Se há, com grande probabilidade não se trata de um rombo pelo qual ela
>> pudesse fazer mais bem do que todos os problemas que ela causa.
>>
>> Sem falar no custo político de mobilização por quebrar o discurso de
>> acesso aberto em dois, dando munição para as grandes editoras defenderem
>> uma licença que já defendem pois lhes convém. Nem é preciso entrar nisso.
>>
>> Igualmente não há necessidade de discutir que adotar uma licença
>> incompatível com o acesso aberto internacionalmente estabelecido será mais
>> um fator de opacidade ao resto do mundo para a produção acadêmica da
>> américa latina.
>>
>> Falando em termos mais gerais, o fato é que direito autoral é o
>> instrumento errado para levar essa luta. Isso não foi evidente de imediato,
>> mas em repetidas iterações percebeu-se que, para os interesses mesmo de
>> médio prazo da ciência, era preciso evitar ainda a cláusula SA
>> (CompartilhaIgual) para publicações e, para dados científicos, preferir o
>> domínio público.
>>
>> Há, pour outro lado, instrumentos adequados para essa luta. E é
>> lamentável que essa declaração nem sequer os menciona. Uma declaração com
>> sentido, e impacto positivo e não negativo para os fins propostos, seria
>> conclamar o dito "sistema latino americano de acesso aberto" a:
>>
>> A) Integrar-se com urgência aos bancos de dados CrossRef e OrcID. Estes
>> são os dois principais esforços que ameaçam materialmente o monopólio das
>> grandes editoras sobre os ditos "serviços agregados".
>>
>> B) Financiar infra-estruturas e pesquisas acadêmicas em consórcio para o
>> desenvolvimento de serviços agregados ao acesso às publicações e dados, em
>> parceria com o setor privado local pró-abertura.
>>
>> C) Reforçar, inclusive através de mandatos institucionais, o uso de
>> licenças mais permissivas (CC-BY para publicações, CC-Zero para dados) que
>> nivelem o campo de jogo e garantam que toda a sociedade terá a
>> possibilidade de fruir do conhecimento produzido, sem privilegiar quem tem
>> capital jurídico, e independentemente de quem controlar as instituições no
>> futuro.
>>
>> Bem, parei por aqui que tá tarde, e antes que isso vire uma lista para
>> papai noel ;-)
>>
>> .~´
>>
>>
>>
>> 2018-07-05 22:47 GMT+02:00 Miguel Said Vieira <msv em dev.full.nom.br>:
>>
>>> Concordo com o Tel, pessoal. Eu acrescentaria que esse caso mostra que
>>> às vezes há diferenças significativas de contexto (na América Latina o
>>> acesso aberto foi historicamente custeado sem fins lucrativos, em
>>> particular pelo setor público; as grandes editoras tradicionais, cujos
>>> modelos de negócio já fazem uso das publicações em acesso aberto -- para
>>> produzir "serviços de valor agregado" ou inteligência de negócios --, são
>>> de outra região, e do setor privado); essas assimetrias precisam ser
>>> consideradas com cuidado quando argumentamos em favor de soluções uniformes
>>> (uma licença para todos).
>>>
>>> Abraços,
>>> Miguel
>>>
>>>
>>>
>>> On 07/05/2018 12:55 PM, Tel Amiel wrote:
>>>
>>> olá pessoal,
>>>
>>> eu acho que o debate em torno da cláusula NC não vai ser contornado com
>>> facilidade, e o problema se dá em grande parte porque somente 6 licenças
>>> não contemplam as demandas de uma pluralidade de atores e contextos. por
>>> muito tempo fui absolutamente contra a adoção da cláusula, mas conversando
>>> cada vez mais com diferentes atores, percebo que é difícil encontrar
>>> soluções práticas para diversos de seus problemas de licenciamento.
>>> enquanto a discussão se dá no acesso aberto ao conhecimento científico
>>> (OA), creio essa defesa é mais fácil, mas em outros campos, é bem mais
>>> tênue.
>>>
>>> abraços!
>>>
>>> tel
>>>
>>>
>>> Em 24/06/18 19:39, Tatiane escreveu:
>>>
>>> Caros colegas,
>>>
>>> Na contramão das recomendações das Declarações de Budapeste, Betesdha e
>>> Berlim, da Open Knowledge Foundation, da Rede SciELO, entre outras
>>> instituições e documentos gerados pelo Movimento de Acesso Aberto, a
>>> LATINDEX, REDALYC, CLACSO e IBICT lançaram, em 15 de dezembro de 2017, a
>>> Declaração do México, que reivindica e apoia o uso da Licença CC BY-NC-SA
>>> para garantir a proteção da produção acadêmica e científica em acesso
>>> aberto, restringindo a apropriação dos resultados de pesquisa para fins
>>> comerciais.
>>>
>>> A preocupação central do documento é impedir que as editoras se
>>> apropriem da produção em acesso aberto licenciada em CC-BY.
>>>
>>> Contudo, ao ler e estudar um pouquinho alguns documentos que mostram os
>>> limites da adoção da licença CC-BY-NC-SA para o uso e disseminação livre do
>>> conhecimento, me questionei se este caminho (Declaração do México -
>>> LATINDEX, REDALYC, CLACSO e IBICT) não seria um retrocesso aos avanços que
>>> foram gerados a partir de ações e debates que se nortearam pela perspectiva
>>> do comum e da ética hacker.
>>>
>>> Observo, em alguns debates, que diversos grupos adotam a licença
>>> Creative Commons mais restritiva (BY-NC-SA) pela falta de compreensão do
>>> que esta licença significa. Assim, seria muito interessante que o grupo,
>>> que é um espaço de trocas e aprendizagem, pudesse debater essa questão.
>>>
>>> Em meu trabalho, por exemplo, propomos a licença BY-SA, mas fomos
>>> derrotados pelos gestores, mesmo com todas as explicações e documentos que
>>> apresentamos. Inclusive agradecemos ao Alê por este texto: ABDO, Ale
>>> xandre Hannud . Libertando a força do comum. Revista AREDE. Disponível e
>>> m *http://www.revista.arede.inf.br/site/edicao-n-91-maio-2013/5621-raitequi-libertando-a-forca-do-comum
>>> <http://www.revista.arede.inf.br/site/edicao-n-91-maio-2013/5621-raitequi-libertando-a-forca-do-comum>*
>>>  .
>>>
>>> Entendemos, assim, que teremos que trabalhar num processo de formação,
>>> com o apoio de especialistas que nos ajudem a mostrar que as licenças mais
>>> abertas (BY e BY-SA) fortalecem a cultura do comum.
>>>
>>> Gostaria muito de ouvir a opinião do grupo sobre a Declaração do México:
>>> http://www.accesoabiertoalyc.org/declaracion-mexico-pt/
>>>
>>> Abraços,
>>>
>>> Tatiane
>>>
>>>
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